Conversar com alguém ontem me fez recordar o tempo em que os poucos eram bons e nos bastavam. Estou falando de amigos.
Quando tinha meus 15 anos ou quase isso, tinha também a companhia de mais três mentes pensantes. Eram minhas aliadas, minhas cúmplices e vezes plateia, vezes o espetáculo dos meus dias. Qualquer motivo era necessidade e ali estávamos nós, voluntariamente juntas. Uma panelinha, como dizia o restante insosso do mundo. Se existisse dúvida, éramos a certeza de uma amizade concreta. Se existisse erro, sabíamos que sempre iríamos nos perdoar. Se existisse medo, era só comprarmos trakinas de morango, fazermos pipoca, alugarmos um filme e acamparmos numa das quatro casas, desfrutando da mesma liberdade que encontraríamos em casa, de fato. Se existisse alegria, e sempre existia, estávamos ali; rindo muito, de tudo. Muitas histórias... Algumas verdadeiras, outras idealizadas por nossa falta de obrigação com o relógio, mas sempre salvando algum aprendizado.
Certo dia decidi criar uma pasta que serviria de baú pra guardarmos todos os vestígios dessa amizade. Eram desde textos, cartas, ingressos para shows (até então inesquecíveis), entradas de cinema, papel de bala e toda aquela bobajada que adolescente acredita ser o melhor da vida (e de fato era), até fotos lindas e que conseguem até hoje trazer à tona todo aquele sentimento de eternidade que vivíamos até algum tempo! E mesmo ali, naquelas tardes sem muitas preocupações, meu sentimentalismo já mostrava as caras e meu gosto por contar histórias virava marca registrada.
As três começaram a reparar que em tudo o que eu contava havia um detalhe em comum: o clima. É, esse mesmo que diz se vai chover ou se o dia será amarelado de sol. Passando o tempo e à medida que aumentava o número de "Era uma vez" ditos por mim, chegamos a uma conclusão: de que era só eu começar a contar alguma coisa pra ressaltar que aquilo havia acontecido num dia nublado. Porém, mais do que um detalhe de narração, percebemos que quando eu dizia isso, estava na verdade me referindo à saudade do acontecido ou do tempo que deu sentido àquela história (esquisitice digna de Lara, eu sei), mas nem me pergunte, porque eu também nunca entendi a necessidade de fazer sempre essa mesma analogia, rs!
O calendário foi correndo e com ele a coleção de dias nublados da minha vida só foi aumentando. Aos poucos fomos deixando de ser o 'quarteto fantástico’ e além de novos amigos, surgiram os namorados, um noivo. Começam então a serem escritas outras histórias, só que agora um pouco mais singulares. Os personagens foram mudando e com eles as nossas escolhas também. As mudanças foram se multiplicando: primeiro a escola, depois as faculdades, até morarmos hoje em cidades diferentes, as quatro! Nossas rotinas tomaram rumos completamente distintos e em pouco tempo cada uma começava a descobrir seu lugar no mundo. Não falo só de cidade, mas também de ideais.
Bom, seria hipocrisia da minha parte dizer que não acredito em vínculos eternos, porque eu realmente acredito. E não digo isso só por se tratar de amizade a longo prazo, mas porque se tratam de histórias fortes demais pra serem desestruturadas. E quer saber, acho até que deveriam ser contadas por aí... Quem sabe um dia?! Uma optou pela Engenharia, outra pela Odontologia e a última pela Medicina. É, acho que sobrou pra mim, mesmo. Não sei se tenho pinta de escritora, mas se um dia decidir escrever um livro, pelo menos já tenho o título, rs!
Hoje tenho mil histórias de dias nublados e não as conto sozinha. Contamos as quatro, sempre que dá, sempre que temos tempo pra isso ou sempre que esse tempo nos permite parar um pouco. Foram-se as tardes em que o relógio parecia estar em nossas mãos e acho que de tanto acreditarmos, num dia ensolarado, ele realmente esteve.